6. Catedral oferece terapia a R$1,00


Embora a Psicologia abranja uma diversidade de teorias e diferentes campos de atuação (Clínica, Educacional, Trabalho, etc.), historicamente o referencial clínico ainda ocupa um espaço de maior difusão e reconhecimento em nossa sociedade. Entretanto, esta modalidade de atuação encontra-se fundamentada numa perspectiva elitista e comprometida com os ideais e valores de uma classe social específica: a classe mais favorecida da sociedade. Mostrando-se, assim, distanciada da realidade concreta da maioria parte da população e de suas diversas formas de expressão, linguagens, emoções e sofrimentos.

Políticas públicas de atenção à saúde envolvendo o trabalho do psicólogo vêm sendo desenvolvidas, mas parecem ter sido moldadas exclusivamente para determinada parcela da população: aquela possuidora de distúrbios mentais profundos, como os relacionados à psicose. Um exemplo são as políticas referentes à reforma psiquiátrica e seus modelos substitutivos de atenção à saúde mental. Por mais que essas políticas empreguem o discurso de “promoção” da saúde e da socialização do doente mental, o que se observa é que a preocupação continua sendo a de tratar o sujeito doente, focalizando a doença, a psicopatologia.

Dessa maneira, a psicologia no momento em que se reduz ou focaliza-se na psicopatologia, perde de vista outras demandas referentes à saúde e à saúde mental e que não se encontram necessariamente no enquadre psicopatológico. Por exemplo, é comum as pessoas levarem ao posto de saúde queixas como dores de cabeça, dores pelo corpo, tristeza, medo, ansiedade, refletindo outros sofrimentos, que Valla (2002) chama de “sofrimento difuso”. Além desses, são também levados outros tipos de problemas relacionados a crises existenciais, brigas conjugais, medo da violência urbana, alcoolismo, dentre outros. No entanto, o indivíduo com menor pode aquisitivo que procura tal ajuda no serviço público, ou não será tratado, ou o será, porém de forma inadequada, pois o mesmo não tem uma “psicopatologia” definida.

Foi percebendo essa demanda, que o pároco Francisco Zanardo Moussa da Catedral Metropolitana de São Sebastião do Ribeirão Preto convidou psicólogas freqüentadoras da missa para atender crianças, jovens e adultos pelo preço que varia de R$ 1,00 a R$ 30,00, dependendo da condição financeira do interessado. Devido à procura ser grande as psicólogas atendem pessoas da região mesmo que não freqüentem a missa. Vale salientar que o Conselho Regional de Psicologia aprovou a iniciativa da Catedral em oferecer psicoterapia a custos acessíveis à população de baixa renda. Este trabalho realizado pela Catedral é bastante relevante para a sociedade, pois procura diminuir a exclusão social e promover a democratização tornando possível o acesso ao atendimento psicológico.

O Código de Ética Profissional do Psicólogo, no seu Artigo 4º, estabelece que ao fixar a remuneração pelo seu trabalho, o psicólogo:
a) Levará em conta a justa retribuição aos serviços prestados e as condições do usuário ou beneficiário;
b) Estipulará o valor de acordo com as características da atividade e o comunicará ao usuário ou beneficiário antes do início do trabalho na ser realizado;
c) Assegurará a qualidade dos serviços oferecidos independentemente do valor acordado.

Percebemos, assim, que a iniciativa da Catedral não fere eticamente o trabalho do psicólogo, uma vez que cumpre as três alíneas do Artigo citado anteriormente. O valor do atendimento é comunicado antes do início das atividades, e tem-se como objetivo a qualidade do serviço independente do preço a ser pago.

Dessa forma, enquanto os paradigmas do modelo clínico tradicional não são quebrados, a psicologia precisa atuar de forma criativa, porém contextualizada para atender, de forma justa, a outras demandas visando adequar-se à realidade concreta da maior parcela da nossa população.

Entretanto, nossa crítica refere-se ao fato de que casos como esse são polêmicos e geram dúvidas quanto à adequação da prestação desse serviço. Visto que este é um contexto que não apresenta isenção de neutralidade e ideologias. Sabe-se que nenhum profissional está imune da influência de suas crenças pessoais na prática de sua profissão. No entanto, um ambiente como uma igreja, reforça ainda mais essas crenças, tornando ainda mais difícil a imparcialidade.
Além disso, reforçamos que o código de ética não dá subsídios para casos como esse. Foi necessária uma intervenção do Conselho Regional para haver um entendimento dos princípios éticos que englobam esta questão. Portanto, faz-se necessária uma reformulação mais elaborada, bem como a formalização dos parâmetros norteadores e princípios éticos mais amplos a fim de suprir a grande demanda de situações com a qual o psicólogo é surpreendido atualmente.

Assim, como psicólogos devemos exigir a adoção de um Código de Ética mais amplo já que ele serve como base e guia dos profissionais da área e tem por finalidade o controle de nossa atuação profissional, além de repensarmos nossa função e papel a desempenhar na sociedade.