3. O Universal vs. O Cultural


Considere a seguinte situação: Pesquisadores Alemães e Americanos estão trabalhando com dois grupos de três crianças do mesmo sexo e da mesma idade em cada grupo. As diferenças entre as crianças são a raça e a cultura (definida como o local de nascimento e de residência das crianças). Um grupo é composto por crianças de pele branca, nascidas em famílias de origem caucasiana: uma criança é francesa, nasceu e reside em Paris; outra é brasileira, nasceu e reside no Rio de Janeiro; e a outra é italiana, nasceu e reside em Veneza. No outro grupo, as três crianças são de pele negra em famílias com origem africana. Uma criança é brasileira, nasceu e reside no Rio de Janeiro; outra é liberiana, nasceu e reside em Serra Leoa; outra é francesa, nasceu e reside em Paris.
Ao trabalhar com essas crianças, os pesquisadores pensaram em adotar a abordagem universalista e focalizarem suas interpretações em teorias que buscam as semelhanças cognitivas entre as seis crianças. Mas, eles tinham receio de serem percebidos pelos colegas na academia como imperialistas. A outra opção seria adotar a abordagem cultural e focalizar nas diferenças entre as seis crianças. Mas eles receiam serem acusados de nazistas por valorizarem a descriminação. Todo e qualquer resultado, na comparação entre as crianças, que pudesse ser percebido como favorecendo significativamente as de origem européia, apoiaria a crítica de discriminação racial ou mesmo de nazistas.
Os resultados mostram uma interação significativa entre cultura e raça no desenvolvimento cognitivo e sócio-moral das crianças. Os pesquisadores enfrentam o seguinte problema: Quanto mais comparações entre crianças forem feitas e enfatizadas, mais acusados de imperialistas eles serão. Quanto mais comparações entre culturas eles façam, as bases de justificativas para as diferenças ficam problemáticas.

Considere agora que você é um desses pesquisadores e responda:
1. Qual abordagem você adotaria na interpretação dos resultados?
Adotaria uma abordagem universalista, pois partindo do pressuposto que em todos os casos está sendo verificado o mesmo construto, torna-se possível realizar comparações que indiquem tanto semelhanças quanto diferenças. A abordagem culturalista tende à segregação, enquanto numa visão universalista é possível observar o que é comum e entender as diferenças. Ainda nesse sentido, uma pesquisa culturalista tem exclusivamente um enfoque nas particularidades, tratando-se do desenvolvimento cognitivo de crianças não seria interessante saber em qual ponto do desenvolvimento crianças de raças e meios sociais diferentes começam a divergir? Ao comparar esses grupos pela abordagem universalista as relações entre as variáveis que podem ser realizadas multiplicam-se. Conhecendo mais relações, explica-se melhor determinado fenômeno. O passo seguinte ao do conhecimento é utilizá-lo para elaborar meios de intervenção que, agora sim, sejam direcionados para a cultura, pois nem sempre as mesmas ferramentas serão possíveis de ser aplicadas ou terão o mesmo efeito.
2. Segundo a psicologia, qual o real problema na interpretação dos resultados?
O grande problema de qualquer pesquisa é saber até que ponto os resultados podem ser generalizados. Toda pesquisa tem sua limitação e sua margem de erro, isto deve ser explicitado para que equívocos sejam evitados.
3. Segundo a ética, qual o real problema na interpretação dos resultados?
A questão ética que envolve este tipo de pesquisa refere-se ao fato das culturas dominantes sempre serem impostas às mais fracas. No entanto, o objetivo de qualquer pesquisa deve ser o de gerar conhecimento. O conhecimento só se torna perigoso se escolher pelo seu mau uso. Neste tipo de pesquisa, o procedimento adequado é levar em consideração, paralelamente à comparação, as variáveis que interferem no desenvolvimento cognitivo, nesse caso a raça e o meio sócio-cultural. Conhecendo o que interfere no processo de desenvolvimento é possível tomar medidas que amenizem esta interferência. Mas isto só é possível se houver uma comparação que emparelhe estas variáveis, tornando inevitável a comparação desses grupos. Tanto para buscar semelhanças como para buscar diferenças, é necessário a existência de dois grupos. Nesse sentido, não se configura uma discriminação colocar as crianças em grupos diferentes, pois sem a separação em grupos não seria possível qualquer comparação. Então o objetivo ainda pode ser encontrar particularidades, o que supõe a abordagem culturalista, porém numa visão mais ampla, que possibilita um entendimento maior acerca do fenômeno.
Além disso, é importante observar, numa visão mais social, que a convivência se dá a partir das similaridades. As diferenças, quando enfatizadas, levam a perigosas divergências. Portanto, é importante conhecermos até que ponto somos iguais, entender o que nos diferencia e por que nos diferencia. Contanto que haja uma visão clara das circunstâncias, a visão universalista não será de um todo imperialista. Enquanto buscarmos as diferenças sem entendê-las, não será possível fazer intervenções que promovam um benefício para aqueles que geralmente já são prejudicados por pertencer a um grupo minoritário.