2. O dilema do aborto


Ética é uma forma de pensamento e conduta que se aplica na resolução de conflitos e dilemas num determinado grupo ou categoria, dessa forma, como agir eticamente enquanto psicólogos? O Código de Ética Profissional do Psicólogo é o instrumento que assegura um padrão de conduta que fortaleça o reconhecimento social daquela categoria.

Realizar ou não um aborto sempre foi um grande dilema dentro da sociedade. O abortamento seria a perda da gravidez antes que o embrião e posterior feto seja potencialmente capaz de vida independente da mãe. No Brasil, essa ação é legalizada em alguns contextos: se essa for a única forma de salvar a vida da mãe, ou se a gravidez é resultante de estupro, e a gestante quiser interrompê-la (Artigo 128 do Código Penal). Se o aborto não estiver incluso em algum desses casos, é considerado crime previsto por lei.

Quando um psicólogo se depara com tal dilema, surgem duas vertentes: o direito da mulher sobre o seu corpo ou o direito à vida do feto. No entanto, é importante ressaltar que este profissional trabalhará visando promover a saúde e a qualidade de vida das pessoas, já que a saúde não é vista apenas como ausência de doença, mas sim um bem-estar geral. O psicólogo também deve trabalhar, segundo o Código de Ética, baseado no respeito e na promoção da liberdade, da dignidade, da igualdade e da integridade do ser humano.

A ética em relação ao tema aborto geralmente é influenciada por questões religiosas, onde o feto jê seria considerado como ser vivo e não poderia ser morto. Enquanto isso, as descobertas científicas no século XX não foram assimiladas pela teologia, nem tampouco conseguiam ser financiadas, uma vez que a Igreja Católica detinha o poder e receava que as inovações pudessem ir contra as leis divinas. Além do mais, a mulher sempre foi vista como um ser reprodutivo, que era educada para casar e ter filhos, tanto é assim que perante a lei se a mulher está grávida e acredita que não tem condições financeiras ou psicológicas de ter o filho, isso é considerado crime.
Mas, até que ponto temos o direito de julgar o que é ou não criminoso? Será que de fato alguém tem o direito de “eticamente” dizer a essa mulher que ela cometeu um CRIME? A questão aqui não é a defesa do aborto, nem adesão à doutrina católica ou feminista. Dentro do campo da Filosofia Moral Contemporânea encontramos a ética utilitarista, a qual não reconhece valores morais individuais, dessa forma, uma ação é uti e, portanto justa, ética e correta, quando traz mais felicidade do que sofrimento aos atingidos. Deste modo o prejuízo de alguns poderia ser justificado pelo benefício de outros, desde que estes estivessem em maior número (cálculo de maximização do bem). (ALVES,2006)

Em relação ao aborto ser permissível ou não, a ética utilitarista não se preocupa com questões sobre o direito da mulher sobre seu corpo, ou sobre o direito à vida do feto, mas sim saber se o ato de abortar afeta o bem-estar dos envolvidos. Então, lutar pela vida do embrião seria negar a existência dos direitos humanos adquiridos pela mulher muito antes da existência do feto. É importante ressaltar que o ato de proibir em lei o aborto não tem diminuído esta prática, pelo contrário, as mulheres procuram clínicas ilegais, arriscando suas vidas, por conta de um valor “moral”.

O psicólogo precisa agir eticamente sim, mas não necessariamente acreditando na universalidade da moral, uma vez que aquela mulher, que está em seu consultório, no hospital, num ambiente escolar, tem sua subjetividade, suas particularidades. É dentro dessa dimensão que o profissional deverá se posicionar, levando em consideração que o sujeito que o procura está, naquele momento, passando por uma parte difícil de sua vida, que só cabe a ela julgar a si mesma e seus atos. O psicólogo precisa cooperar para que a mulher se restabeleça psiquicamente, cabendo a ela tomar a decisão que melhor contribuirá para seu bem-estar.

A mulher que procura um profissional da psicologia nesta situação, provavelmente não está querendo ouvir um “Sim, faça o aborto” ou um “Não, isso é crime”, isso ela ouviria de qualquer um a quem pedisse uma opinião. Deste profissional, ela espera uma postura humana, que a veja como um ser dotado de fraquezas, limitações, sentimentos, expectativas, enfim, de toda uma vida que já existe, e que neste momento está abalada pelo fato de ter ou não um filho. Muitos moralistas poderiam retrucar afirmando “mas por que ela não se preveniu, hoje em dia existem métodos fáceis e baratos!”, é muito fácil falar do outro, sempre foi, difícil mesmo é ter uma postura empática, sentir o que o outro sente, pois isso requer além de um preparo profissional, um preparo muito maior do lado pessoal, não está apenas em teoria, acontece dentro de nós.

O direito de escolher o que é melhor para si provoca menos transtornos futuros tanto para a mãe, quanto para a criança. Obviamente que existem casos nos quais a mãe pensava em abortar, decidiu pelo contrário, e viveu de uma forma maravilhosa com seu filho, mas, no entanto, essa escolha deve partir dela, e não ser imposta por lei, ou muito menos, por um consenso social que chega a ser hipócrita, uma vez que existem muitas atitudes socialmente aceitáveis, que poderiam se constituir em crimes, como é o caso dos bebês de proveta, onde os cientistas reimplantam diversos óvulos fecundados em cada tentativa para tentar engravidar uma mulher, a fim de aumentar as probabilidades de acerto, isso significa que os cientistas obtêm “seres vivos” sabendo que uma alta porcentagem deles vai “morrer”. Se o aborto voluntário é um atentado à vida, o que esses cientistas fazem é o que?

Sendo assim, o psicólogo precisa, antes de tudo, ouvir, mas um ouvir profundo, onde ouve-se as palavras, os pensamentos, a tonalidade dos sentimentos, o significado pessoal, e até mesmo o significado por trás do que foi verbalizado. Essas mulheres têm sentimentos, e geralmente estão sofrendo com suas decisões, seja a de ter ou não esse filho, ela não necessita de uma pessoa que aumente esse sofrimento ou que lhe cause um transtorno psíquico ainda maior lendo a lei, enquadrando-a num determinado artigo porque é ético, esse profissional deve dentro de suas atribuições facilitar a tomada de decisão, seja ela qual for, buscando sempre contribuir para o bem-estar do sujeito.


Sites relacionados:

http://www.aborto.com.br/

http://www.womenonwaves.org/